sábado, 15 de setembro de 2018

A profeta...



Numa manhã quente meu amigo chegou à minha casa todo empolgado porque iria me levar à casa da profeta que ele admirava sobremaneira! Sou muito retraído com relação a esse tipo de visita, mas não queria delir a empolgação dele e fomos.
Ao chegarmos, percebi certa burocracia para chegar até ela.
Cerca de quinze minutos depois um homem nos conduziu por alguns cômodos até chegarmos a uma espécie de sala principal. Por uma porta, em uma cadeira de rodas, uma senhora foi empurrada com muito cuidado para fora. Ela deveria ter mais de setenta anos e tinha o corpo curvado pela idade. Após um minuto, da outra extremidade, ela olhou diretamente para mim e, com um aceno, me chamou. Olhei para a meia dúzia de pessoas que estava ali comigo e o meu amigo fez um sinal afirmativo para eu ir até ela e me olhava com aquele olhar embevecido, como se eu tivesse sido abençoado com a escolha da profeta...
Fui até ela sem saber o que diria, mas ela acenou para que eu me abaixasse, pois parecia querer me segredar algo ao pé do ouvido. Aproximei-me, ela segurou meu braço com mãos trêmulas e disse, numa voz rouca e frágil:
- Pede a Deus pra eu morrer!
Olhou profundamente nos meus olhos e repetiu:
- Pede a Deus pra eu morrer! Não aguento mais isso...
Olhei para as pessoas que estavam ali comigo, mas não parecera que tinham ouvido a súplica daquela senhora! Meu olhar confuso parece ter despertado na imaginação deles que eu, provavelmente, ouvira alguma revelação sobrenatural daquela velha e alquebrada senhora.
Sem prévio aviso, fiz uma prece em voz alta, encerrei, fui até à senhora, abracei-a e disse em seu ouvido:
- Todas as coisas têm o tempo certo para ocorrer nesse vale de lágrimas...
Abracei-a, beijei-a na face e fui em direção à saída, seguido pelo meu amigo e outros que já estavam ali quando chegamos. Parei num local da casa que tinha três portas e eu não sabia qual me propiciaria a saída. Um dos homens começou a falar algo e meu amigo me disse rapidamente que era filho da profeta. Ele falava acerca de um desses cativeiros para viciados arrependidos que ele administrava em algum lugar rural de Nova Iguaçu. Falava rapidamente e logo pediu uma “oferta” para ajudar na manutenção do cativeiro para drogados. Meu amigo sacou a carteira, deu algum dinheiro... Eu não dei nada. Perguntei o endereço e pedi dicas para chegar facilmente ao lugar e saí pela porta indicada pelo filho da profeta.
No carro o meu amigo já demonstrava ansiedade para saber o que a mulher havia me dito, mas lembrei das muitas vezes em que ele mencionara aquela senhora com grande devoção:
- Ela recebe mensagens diretamente de Deus, Rhusso! – ele dizia...
Achei melhor enrolar e não dizer nada, pois não queria desiludi-lo. Fazia pouco tempo em que havíamos nos reencontrado, após cerca de quinze anos sem contato, e nas poucas vezes que conversamos ele parecia ser outra pessoa; havia esquecido o tempo das loucuras boas inerentes a jovens saudáveis que éramos! Na verdade até renegava aqueles bons tempos! Tornara-se um bolsonete e, por causa dessa nova ideologia nazista, viríamos a nos separar outra fez anos depois.
Já eu, não dou sorte com profetas modernos e decidi não perder mais tempo com pessoas como aquela mulher que estava cansada de ser usada como caça níqueis de incautos e que não conseguem entender o óbvio: tudo nesse mundo “religioso” tem a ver com dinheiro e mais nada! Deus não Se mete com esses negócios, não.


Ronaldo Rhusso


Imagem: google.